terça-feira, 11 de junho de 2013

Um Grito ao longo do Mondego

UM GRITO PARADO NO AR (TEATRO)
de Gianfrancesco Guarnieri | Direção de Antonio Mercado

FIGUEIRA DA FOZ | CAE | 15 de junho | 21h30
PORTELA | GCAP | 22 de junho | 21h30

UM GRITO PARADO NO AR estreou em outubro passado sob a direção de Antonio Mercado e fez temporada na Oficina Municipal do Teatro até 5 de janeiro deste ano; depois de uma leva de saídas país afora que culminou com as apresentações no Teatro da Politécnica em Lisboa e na ACERT em Tondela, eis que o GRITO volta à estrada, desta feita com duas datas: a 15 de junho apresentamo-nos ao público da Figueira da Foz, no Centro de Artes e Espetáculos (CAE), e a 22 de junho visitamos o Grupo Cénico Amador da Portela (GCAP), nossos companheiros já de outras lides como “Shakespeare no Castelo” ou o já próximo “Arruinados”.

Estas duas datas reforçam a aposta d’O Teatrão para este verão em dinamizar os seus laços de trabalho por toda a linha do Baixo-Mondego, um dos eixos fulcrais de ação de toda a sua atividade deste ano.

No caso do CAE, é já a segunda vez que O Teatrão lá se apresenta; a primeira foi no Dia Mundial do Teatro em 2012, com o espetáculo “Shakespeare pelas Barbas”, com encenação de Ricardo Correia e dramaturgia de Jorge Louraço Figueira, o mesmo dramaturgo que assina “Arruinados”, produção de verão d’ O Teatrão que integra também membros do GCAP e que resultará numa trilogia com apresentações em Coimbra, Verride e Figueira da Foz.

©Carlos Gomes

UM GRITO PARADO NO AR foi escrito por Gianfrancesco Guarnieri numa noite de 1973 para a companhia de Othon Bastos e Martha Overbeck - dois atores que Antonio Mercado dirigiu na montagem de Dueto para Um Só, de Tom Kempinski (prémio de encenação da Associação Paulista de Críticos de Arte, 1984) - e apresenta um grupo de atores em luta para conseguir estrear o seu espetáculo, que é um conjunto de fragmentos da realidade urbana.

O crítico João Carneiro descreve o GRITO como “um clássico do tempo da ditadura brasileira que parece escrito para o mês em que estamos”[Caderno Atual, Expresso 23 fev 2013]. Esta tensão em que a peça opera hoje e que a permite vibrar era já desenhada por Guarnieri em 1973: o autor aponta nesta peça uma ligação fortíssima com a realidade recorrendo ao uso de entrevistas áudio gravadas com gente da época; e neste espetáculo potenciamos esse mesmo aspeto usando o vídeo para captar o real e motivar a criação dos atores-personagens.

A identificação foi gradualmente simples e natural: seja pela poética de resistência que ela propõe, seja pela própria situação das personagens, reconhecemos imensos pontos de toque com o nosso contexto - gente que trabalha e se conhece há muito tempo, gente que partilha uma linguagem, gente de teatro que vê como vital a estreia do seu espetáculo e que não baixa os braços perante as pressões externas que ameaçam a sua extinção.

O percurso artístico do elenco, formado no mesmo sistema de trabalho e sempre diferenciado por uma visão crítica do que é fazer teatro, facilita e potencia a pessoalização das situações que Guarnieri desenha no GRITO: a relação entre a vida dos atores, os testemunhos reais e as personagens que estão a criar mostra uma fronteira muito ténue entre o palco e a vida, onde todos se tentam adaptar a uma nova realidade, onde todos sentem que as portas se vão fechando e se torna cada vez mais difícil manter a esperança, sem que por isso tenhamos que render ao abandono um sonho comum.

Uma peça do teatro brasileiro engajado que grita insistência, persistência e resistência num samba de Guarnieri que Toquinho musicou e que nós, em 2012, do outro lado do atlântico, transformamos em fado:

Quem souber de alguma coisa
Venha logo avisar
Sei que há um céu sobre esta chuva
E um grito parado no ar.

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