Seis atores, três homens e três mulheres, ensaiam uma peça que nunca chegamos a conhecer. Não é o teatro feito, mas o teatro por fazer e ao se fazer que contemplamos. As pressões de fora interrompem o ensaio a todo o momento: são credores que retiram aos poucos, como numa peça do absurdo, os próprios elementos sobre os quais deveria erguer-se a representação. À medida que o palco se esvazia cresce a determinação do elenco em levar o espetáculo a cabo, contra ventos e marés.
Não são menores as pressões vindas de dentro, desde a tentação de tudo resolver em termos de sim e não, evitando a complexidade inerente ao real, até a crença de que o teatro morreu, as palavras já não têm significado e nada há a dizer sobre o mundo.
Mas à medida que o ensaio progride, o milagre da criação artística transforma o jogo em emoção, pondo a descoberto a crueldade dos tempos de crise no mundo contemporâneo. Se às vezes o palco parece uma ilha de neurose cercada de dívidas por todos os lados, não nos esqueçamos que nela habitam também a generosidade, a camaradagem, o cafezinho e os copos compartilhados no bar da esquina; e que dessa aparente anarquia brotam ocasionalmente obras-primas tão legítimas quanto quaisquer outras.
Esta é a peça mais alegre e lúdica de Guarnieri: uma celebração do mistério do teatro, com as suas mazelas e a sua grandeza, a sua desordem e o seu fascínio. Com a força vital de um grito paralisado em pleno voo.
Adaptado de Décio de Almeida Prado, “Guarnieri Revisitado”, pp. 10-13. Em: O Melhor Teatro de Gianfrancesco Guarnieri. São Paulo: Global Editora,1986
©Carlos Gomes
de Gianfrancesco Guarnieri
direção de Antonio Mercado
Sala Grande | 18 de outubro a 5 de janeiro | quinta a sábado | 21h30 | M16 | Bilhetes: entre €4 e €10
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