segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Uma longa história...

Quando o fim se aproxima, já não restam imagens da recordação; só restam 
palavras. Não é estranho que o tempo tenha confundido as que 
certa vez me representaram com as que foram símbolos do destino 
de quem me acompanhou por tantos séculos. Eu fui Homero; em breve, serei 
Ninguém, como Ulisses; em breve serei todos: estarei morto. 
JORGE LUÍS BORGES, in "O Imortal"

Corria o ano de 1989 quando ouvimos Francis Fukuyama declarar "o fim da História". Considerações político-ideológicas à parte, para quem trabalha em Teatro esta é uma afirmação que se reveste do manto diáfano... do absurdo. É que o Teatro é o local de infindáveis histórias - tão infindáveis quanto a Humanidade e a sua obra. Para nós, é claro que enquanto houver imaginação, desejos, sonhos, a ação do Homem não acaba. A História não acaba. Mas mesmo as histórias que acabam, não acabam mesmo: ficam as suas palavras, gestos, memória, "fragmentos de cartas, poemas / mentiras, retratos / vestígios de estranha civilização" (Chico Buarque, "Futuros Amantes"). Material que num possível futuro inspirará novas histórias.

Dentro d'O Teatrão, criámos nos últimos quatro anos uma vida paralela à outra, à real: é a história da Companhia dos Faunos do Rio, surgida em 2011 como companhia "alter ego" d'O Teatrão, uma espécie de companhia fantasma que viaja através dos tempos para mais facilmente nos ligar à contemporaneidade. Acompanhados de centenas de participantes e de milhares de espectadores, começaram por ir até à Coimbra medieval de 1111; em 2012 deram um pulinho a um Castelo de Montemor-o-Velho tomado pelas palavras renascentistas de Shakespeare; e, em 2013, passearam por ruínas de Coimbra, Verride e Figueira da Foz lembrando espíritos do século XX que por ali andaram.

Depois de tantas viagens por séculos de História e de Teatro, encontramos agora os Faunos em aparente fase de mudança. O presente está ligeiramente pantanoso e o futuro apresenta-se nebuloso, um pouco à semelhança do País e da Europa: uma séria crise económica e financeira, de âmbito internacional, repercute-se em Portugal como possivelmente nenhuma até hoje, sendo agravada pelo ambiente de pessimismo e de profunda descrença nos governantes e nos modos de governar. A falência de alguns bancos; o aumento da dívida pública; a contração nos investimentos; a depreciação da moeda; o aumento da emigração; o divórcio entre a política e as gerações mais jovens; a agitação das ruas e a momentânea instabilidade governativa, implicam um longo ciclo depressivo, que persiste durante quase toda a década de... 1890! Se a isto acrescentarmos a humilhação a que ingleses (mas também alemães e franceses) sujeitaram Portugal com o Ultimato de 1890, percebemos que qualquer semelhança entre o Portugal de então e o de 2014 não é mera coincidência... É a História a acontecer, a repetir-se e a lembrar-nos que nunca nada é definitivo. Ao mesmo tempo, como hoje, aquela foi uma época de extraordinárias inovações, de liberdade, criatividade e de grandes mudanças. E de comemorações! No último quartel do séc. XIX muito se comemorou: o tricentenário da morte de Camões (10 de junho de 1880), os centenários do Marquês de Pombal (1882), do Infante D. Henrique (1894), do Santo António (1895), do descobrimento do caminho marítimo para a Índia (1898) e do achamento do Brasil (1900), fazendo-nos ver que o afã comemorativo já vem de longe... Pareceu-nos, pois, que para falar do que se passa nos nossos dias, deveríamos desta vez colocar os Faunos a viver neste período tão especial, imaginando que à comemoração destes ilustres se juntara a celebração da memória de D. Sesnando. Quem?! D. Sesnando, o imortal edificador das ruínas, aliás, da linha defensiva do Mondego.

Tal como no país de outrora e de agora, a Companhia está num impasse, mas, tentando sobreviver como pode e sabe, não deixa de questionar que caminho seguir. A mudança, essa, é certa e o fim de ciclo também - mas não da História! O Teatrão decide encerrar em 2014 as aventuras deste grupo de seres, meio humanos, meio animais, e fazê-los regressar ao seu lugar: um lugar intangível e imortal, sem limites ou fronteiras espácio-temporais, reservado aos semi-deuses que andam há séculos a deixar palavras e memórias que vampiriscamente outros de nós andam há séculos a ressuscitar. E por isso acreditamos que mesmo que a história dos Faunos do Rio acabe, permanecerá deles um rasto, que, algures no futuro, as águas do Mondego trarão ao de cima, para que a História recomece. Que os Faunos se despeçam do público com um espetáculo que também pretende, 950 anos depois, recuperar a figura e importância de D. Sesnando, é a prova de que há mesmo histórias que não têm fim...


O ALVAZIL DE COIMBRA (Teatro de Rua)
O Teatrão | Comemorações dos 950 anos do governo de D. Sesnando - Rede de Castelos e Muralhas do Mondego, no âmbito do programa mais Centro (QREN) | Entrada Livre, sujeita aos lugares disponíveis
Episódio 1: Castelo de Montemor-o-Velho | 19 SET | sexta | 21h | Parque dos Bacelos (Soure) | 20 SET | sábado | 17h30 | Castelo de Pombal | 21 SET | domingo | 17h30 | Castelo de Penela | 3 OUT | sexta | 21h
Episódio 2: Castelo da Lousã | 26 SET | sexta | 21h | Praça 8 de Maio (Coimbra) | 27 SET | sábado | 15h30 | Forte Buarcos (Figueira da Foz) | 28 SET | domingo | 15h30 | Alto do Calvário (Miranda do Corvo) | 4 OUT | sábado | 17h30

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