quarta-feira, 6 de junho de 2012

A mercadoria emancipa?

ÓPERA DOS VIVOS | Companhia do Latão | TAGV | 8 de junho | sexta | 21h30 | Bilhetes à venda no TAGV

    
 ©Companhia do Latão 

“Ópera dos Vivos” é o resultado de um estudo iniciado pela Companhia do Latão em meados de 2007. Após a encenação de “O Círculo de Giz Caucasiano”, texto de Brecht, o grupo desenvolve o seu núcleo de cinema e realiza uma série de experiências audiovisuais. Dois desses trabalhos, “Senhorita L” (2007) e “Ensaio sobre a Crise” (2009) foram apresentados em televisões públicas. O contacto com situações de produção especializadas, com realidades de trabalho muito distintas da improvisação ou coletivização das práticas, comuns no teatro de grupo, passou a inspirar uma pesquisa sobre a mercantilização do trabalho artístico atual e sua ideologia. Por força da estratégia brechtiana que fundamenta o grupo, a primeira fase dos ensaios foi marcada pelo deslocamento do assunto para um contexto histórico diverso. Foram assim realizados estudos sobre o teatro do século XVIII. O próprio nome “Ópera dos Vivos” é uma alusão aos espetáculos feitos por atores de carne e osso, em contraste com o teatro de bonecos que predominava no Rio de Janeiro colonial. Com o desenvolvimento da pesquisa, o projeto de uma peça histórica sobre os artistas desclassificados do Brasil colónia (que montavam óperas italianas) foi suspenso. O grupo retorna em 2008 aos improvisos sobre a indústria cultural. Elege como tema de pesquisa cénica a atualidade da música popular brasileira, televisão e show business, num diálogo com um debate já apontado pelo espetáculo “O Mercado do Gozo”, de 2003. Teve início, assim, uma segunda fase de ensaios (ao longo de 2008), que conviveu com a conclusão do projeto “Companhia do Latão dez anos”. Este projeto demandou enormes esforços para remontagens de vários espetáculos, lançamentos de três livros e oito videodocumentários sobre a história do grupo. Nessa fase predominaram exercícios de improvisação sobre artistas da nova geração que em condição periférica reproduzem padrões estéticos mundializados. 

Uma mudança mais radical no rumo dos estudos para “Ópera dos Vivos” ocorreu no ano de 2009. Em paralelo às viagens por todo o Brasil para apresentações e difusão dos livros, optaram por realizar novos estudos sobre a produção artística dos anos 1960. Voltavam ao debate sobre os “mortos” e “vivos” da cultura, responsáveis pelas mais importantes realizações de uma arte que se pretendeu também nacional. O tema já havia sido sondado pelo grupo em “Equívocos Colecionados”, espetáculo de 2004, restrito, na ocasião, ao diálogo com a filmografia de Glauber Rocha. O objetivo da guinada nos ensaios era discutir as formas da indústria cultural brasileira a partir do embate com seu passado, numa investigação sobre as contradições entre ideias e situações produtivas. Inspirados pelo ensaio “Cultura e Política”, de Roberto Schwarz, os artistas do grupo dedicam-se, então, a um grande trabalho de leituras, entrevistas e experiências cénicas, em que traçam as bases teóricas para uma dramaturgia que não poderia ser de um único espetáculo, mas de um repertório. Assim, no ano de 2010, as estruturas cénicas e dramatúrgicas ganham corpo. “Ópera dos Vivos” torna-se num espetáculo-estudo composto por quatro peças mais ou menos independentes. Os seus temas são variados: três atos parecem estar mais no passado e o último na atualidade, mas essas ênfases deslocam-se a todo o tempo na medida em que se acentua a reflexão sobre o trabalho da cultura. Personagens saem de uma narrativa e atravessam outra. Teatro, filme, show, drama televisivo: a própria forma está no centro do assunto reflexivo. Sendo um estudo que parte dos anos 1960, período que ainda dá categorias e alguma substância ao imaginário nacional contemporâneo, a dialética da cultura que se mercantiliza é, também aqui, uma história política. 

FICHA TÉCNICA 
Elenco: Helena Albergaria, Ney Piacentini, Martin Eikmeier, Rodrigo Bolzan, Carlos Escher, Maurício Braz, Adriana Mendonça, Renan Rovida, Rogério Bandeira, Carlota Joaquina e Ana Petta Direção Musical: Martin Eikmeier Iluminação: Melissa Guimarães Cenografia: Renato Bolelli Rebouças e Vivianne Kiritani Coordenação de cinema: Luiz Gustavo Cruz Pesquisa de Dramaturgia: Roberta Carbone e Filipe Moraes Direção de Produção: João Pissarra Direção e dramaturgia: Sérgio Carvalho 

 
©Bob Sousa 

A COMPANHIA DO LATÃO - companhiadolatao.com.br 
Inspirado na tradição brechtiana, o trabalho da Companhia do Latão desenvolve-se desde 1996. Com “O Nome do Sujeito” (1998), escrita pelos dramaturgos e diretores Sérgio de Carvalho e Márcio Marciano a partir da improvisação dos atores, teve início o exame da vida nacional brasileira segundo os recortes determinados por uma reflexão dialética aliada a um trabalho baseado na produção coletiva dos materiais mais tarde traduzidos em dramaturgia. (…) Radicalmente experimentais, a cena e o texto da Companhia do Latão traduzem o empenho em levar às últimas consequências a superação dos limites formais do repertório brasileiro. (…) A companhia tornou-se uma referência para o teatro em São Paulo no que se refere à conjugação de pesquisa estética avançada e politização da cena. (Iná Camargo Costa, Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe.)

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