Só a arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes - tudo
isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte se vê, porque dura.
Fernando Pessoa
Vinte anos não são vinte dias, mais ainda se vividos num movimento permanente de criação de universos e tempos paralelos, de personagens e situações que tanto nos transportam para o passado, como nos projetam no futuro. As vidas no teatro são muito intensas e por vezes nem se dá conta de o tempo "normal" passar na sua cadência imperturbável. Mas passa. Prega-nos partidas como esta de, subitamente, já terem passado vinte anos sobre aquele dia em que Manuel Guerra aceitou o desafio de criar em Coimbra uma companhia profissional de teatro para a infância, para a qual logo chamou Deolindo Pessoa, com quem se tinha cruzado no TEUC nos anos sessenta do século XX. Desde então, dezenas de produções, milhares de apresentações e mais ainda de espectadores, um saltear entre várias sedes e salas de espetáculo, trouxeram O Teatrão até 2014 com uma bagagem rica de histórias, mudanças e realizações.
Vinte anos de experimentação e de criação de um projeto que começou por se dedicar em exclusivo à infância, mas que a partir de 2002 quis que qualquer pessoa, de qualquer idade, encontrasse n'O Teatrão espaço para se divertir, emocionar e questionar. Vinte anos que trouxeram a Coimbra um Projeto Pedagógico, iniciado por Manuel Guerra, e que, de meia dúzia de turmas (2001/2002), passou para centenas de alunos por ano, entre Classes de Teatro (com alunos dos 6 aos 70 anos), workshops, Projeto PANOS (Culturgest), Bando à Parte, entre outras tantas iniciativas. Vinte anos de um projeto que fez nascer, sucessivamente, quatro salas de apresentação regular de espetáculos: o auditório do Instituto Português da Juventude, o Cine-Teatro do Colégio de S. Teotónio, o Museu dos Transportes e, por fim, a Oficina Municipal do Teatro (OMT). No Museu dos Transportes, O Teatrão pôde demonstrar a sua capacidade de produzir espetáculos próprios, ao mesmo tempo que programava um espaço que, de provisório, se transformou numa das principais e mais dinâmicas salas de espetáculo de Coimbra. Em 2008, com a entrada definitiva na OMT, já era evidente para todos que O Teatrão iria conseguir colocar mais um espaço no mapa cultural da cidade. Assim foi. Prova disso, é o facto de, ao fim de pouco tempo, muitos dos taxistas da cidade já saberem onde ficava a OMT! Nos anos mais recente, a atividade d'O Teatrão alargou-se, saiu portas fora para as ruas da cidade e das terras vizinhas, criou parcerias com companhias regionais e nacionais e conquistou o reconhecimento do público e das instituições públicas e privadas com quem tem trabalhado.
Mas vinte anos também não são duzentos e as "tábuas", que não as do caixão!, ainda esperam muitas pisadelas. O exercício de olhar para o passado ajuda-nos a sistematizar o percurso, mas acicata a vontade de fazer mais, de experimentar, evoluir, de ir além. A forma como decidimos celebrar vinte anos de atividade reflete essa vontade de não parar, de acreditar que um projeto teatral pode crescer em Portugal, renovar-se e propor a mudança. Nestes vinte dias de programação queremos que se conheça o que foi feito nos vinte anos anteriores, mas queremos, sobretudo, que cada um possa reconhecer n'O Teatrão um lugar de esperança para os anos vindouros: esperança de que é possível lutar por aquilo em que se acredita; esperança de que crianças, jovens e adultos possam aqui continuar a viver experiências únicas e que só o teatro garante; esperança de que em Portugal haja espaço para a dúvida, para o erro, para o pensamento crítico e para a criação artística e de como isso é sinónimo de progresso e não de perda de tempo ou de recursos.
A programação O TEATRÃO 20 ANOS inclui, em março, um espetáculo de cabaré, uma instalação sonora, um Fórum e uma festa que juntará amigos e colaboradores e onde todos poderão, merecidamente, soprar as velas. Fica o convite para que muitos se juntem a esta celebração.
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